Equidade dos sacrifícios<br> é um embuste
O PCP acusou o Governo de impor menos Estado para os doentes, para os desempregados, para os reformados mas «mais Estado para a banca». A afirmação foi proferida sexta-feira, no debate quinzenal, onde Jerónimo de Sousa desafiou o primeiro-ministro a que se «cale para sempre com esse embuste da equidade dos sacrifícios», já que este Governo «está do lado de quem mais tem e quem mais pode, atingindo quem menos tem e menos pode».
O Secretário-geral do CP introduziu esta questão a propósito da vergonhosa declaração proferida há dias pelo presidente do BPI defendendo que os portugueses ainda podem aguentar mais sacrifícios, ao nível dos sem-abrigo. «Se estes aguentam, por que é que os portugueses não aguentam?», afirmou o banqueiro, isto no dia em que o BPI apresentou lucros de 249 milhões de euros, os maiores desde 2007, sendo que uma parte destes lucros resulta de ganhos com a compra de dívida pública (160 milhões de euros).
Para Jerónimo de Sousa, Fernando Ulrich «expressou de forma cruel aquela que é uma concepção do capitalismo, a mesma concepção que levou um ministro japonês a considerar que devia matar-se os velhos doentes porque são um encargo para o Estado».
«Não considera uma vergonha?», perguntou, dirigindo-se a Passos Coelho, a quem lembrou que tais declarações vêm do responsável de «um banco que tem estes lucros fabulosos depois ter conhecido um processo de recapitalização com ajudas do Estado de 1,3 mil milhões de euros, no ano em que reduziu em 258 o número de trabalhadores».
Esmifrar o povo
Na resposta, o chefe do Governo disse não estar ali para «justificar ou responder por afirmações seja de que banqueiro seja» mas para responder «por aquilo que está no memorando de entendimento e que o Governo cumpriu à risca: garantir as condições de estabilidade do sistema financeiro de modo a permitir a recuperação económica do País».
«Não sabe que o BPI reduziu dez por cento de crédito às PME», replicou Jerónimo de Sousa, que não escondeu a sua estupefacção pelo facto de Passos Coelho não ficar escandalizado com a constatação de que 160 milhões destes lucros resultaram da especulação com a dívida pública portuguesa. Dívida, observou, «que o povo vai ter de pagar mais à frente, em favor da banca».
Mistificações
Para primeiro plano do debate por iniciativa de Jerónimo de Sousa veio também a questão do chamado «regresso aos mercados» e a tese do primeiro-ministro segundo a qual isso foi possível porque fomos bons alunos. Ora, para o líder comunista, há aqui uma contradição, uma vez que a Grécia, a quem acusam de incumprimento, viu reduzido no mercado secundário as taxas de juro a dez anos das suas obrigações nos últimos anos na ordem dos 19,5%.
«Em que ficamos, senhor primeiro-ministro, foi por cumprimento ou por incumprimento, por mérito ou demérito deste Governo?», inquiriu, aconselhando Passos Coelho a deixar-se desse «sentido de glorificação», pois o «Governo não tem mérito nenhum», uma vez que, explicou, a acalmia no mercado obrigacionista resultou da intervenção do Banco Central Europeu.
Na resposta, deturpando a posição assumida pelo PCP nesta matéria, Passos Coelho disse «perceber a invocação» do caso grego pelo PCP porque este «sempre defendeu a reestruturação da dívida, com perdas para os credores», como a Grécia fez. Agitou ainda o cenário do medo, sustentando que uma renegociação da dívida como o PCP propõe levaria «ao clima social e económico que se vive na Grécia». Depois de convidar Passos Coelho a «falar seriamente», Jerónimo de Sousa confirmou que o PCP defende efectivamente a renegociação da dívida – nas taxas, nos montantes, nos juros –, «mas do ponto de vista de uma renegociação que defenda os interesses do devedor (que somos) e não os interesses e num processo em que quem determina são os credores, o que aconteceu na Grécia». E insistiu em afirmar que o PCP «tem uma proposta diferente» e que defende uma renegociação da dívida sustentada do «ponto de vista do interesse nacional».
O problema das famílias que estiveram bem mais de uma semana sem electricidade em suas casas no seguimento do temporal do passado dia 19 de Janeiro foi também alvo da atenção do líder comunista.
Em sua opinião, «está à vista as consequências da opção do Governo e dos anteriores em privatizar a EDP e o sector energético». E admitiu que a experiência de há três anos, em Torres Vedras, «de nada serviu», dado que a EDP, uma vez mais, «não assegurou a rápida reposição do fornecimento de energia às famílias e pequenas empresas» e recusa-se agora em ressarcir os prejuízos causados.
Lembrada por Jerónimo de Sousa foi entretanto a resposta dada pelo secretário de Estado da Energia a uma pergunta da bancada do PCP informando que o actual Governo alterara a «legislação de modo a impor determinados níveis de qualidade do serviço de fornecimento de energia e que, no caso de esses níveis ficarem aquém do expectável, a EDP seria sancionada».
Ora o que «as famílias e empresas que ficaram sem electricidade durante mais de uma semana querem é o seu fornecimento reposto, o que pretendem saber é se o Governo irá resolver o seu problema ou se irá ficar de braços cruzados à espera de saber se no final a EDP será sancionada ou não», sublinhou o Secretário-geral do PCP.
E porque a «electricidade é um bem essencial», insistiu em querer saber qual a resposta do Governo à situação e às expectativas das populações e dos pequenos e médios empresários.
No mínimo infeliz foi a forma como Passos Coelho fugiu à questão. Optou pela graçola de mau gosto, para dizer que «o PCP acha que as calamidades físicas que tiveram consequências na energia se deveram ao facto de ter havido privatização da EDP». E ficou-se por aí.
Mais adiante, já no debate que se seguiu sobre o Conselho Europeu, não perdeu pela demora, com Jerónimo de Sousa a fazer ver ao chefe do Governo que as suas palavras não o haviam ofendido a ele mas sim às populações atingidas, pois «estavam à espera de um Governo que fosse responsável perante os efeitos da calamidade e da EDP».«Era isso que se exigia mas não foi assim que considerou», lamentou o dirigente comunista.